ESTATUTO: Sobre a reforma e o seu processo

Por Lucas Medina

Antes de tudo, quero deixar claro que não sou advogado. Tudo o que foi descrito é baseado em informações obtidas, no meu parco conhecimento do Direito mas devidamente respaldado em alguns profissionais e bacharéis que consultei para escrever este texto.

Posto isso, vamos ao que quero dizer.

O novo estatuto do Corinthians, aprovado pelo Conselho Deliberativo em 24 de março, e que inclui o advento das eleições diretas, foi modificado em seu projeto inicial antes da votação e assim, acrescentadas algumas alterações pelo CORI em reunião realizada no dia 28 de fevereiro, e posteriormente incluídas oficialmente em reunião no dia 11 de março. Entre elas, está a letra K no Artigo 87, que lista as competências do CD.

Art. 79 – Compete ao CD, poder soberano, órgão da manifestação coletiva dos sócios:
A – eleger, em escrutínio secreto:
– o Presidente e os Vice-Presidentes da Diretoria;
– os membros efetivos e suplentes do CORI;
– os membros efetivos e suplentes do Conselho Fiscal;
– os membros da Comissão de Ética e Disciplina;
– os conselheiros vitalícios.

(…)

K – alterar este Estatuto quando expressamente convocado para esse fim, reconhecido, preliminarmente pelo CD, a necessidade da reforma.
Parágrafo Único: Qualquer assunto resolvido pelo CD, desde que acompanhado de parecer do órgão competente, só poderá ser renovado perante o CD, após o decurso de um ano.

O curioso, é que esta mudança, até pouco tempo antes da votação final não estava presente nos dois modelos apresentados até então, inclusive disponibilizados no site do clube. E assim foi para a votação no Conselho, os dois modelos, um com eleições diretas e outro com eleições indiretas, já com estas e mais outras alterações feitas pelo CORI, cujo presidente é o Sr. Antônio Roque Citadini.

Estatuto aprovado, agora nos deparamos com outra questão: a sua legitimidade diante da nossa legislação. Segundo o novo Código Civil, vigente desde 2003, apenas a Assembléia Geral de Sócios pode alterar o estatuto, o que contrasta com o definido pela alínea K.

Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral:*
I – destituir os administradores;*
II – alterar o estatuto.*

Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos I e II deste artigo é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para esse fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores.*

Art. 60. A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a 1/5 (um quinto) dos associados o direito de promovê-la.*

* (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)

Porém a Constituição Federal, legislação máxima do País, prevê a autonomia dos clubes quanto ao seu funcionamento.

217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

Por isso, ao meu ver, é perigoso esse novo estatuto aprovado desta forma. A validação dessa questão só deverá se dar na justiça. Seja registrado em cartório ou não, certamente alguma das várias partes envolvidas nesse processo no clube poderão contestar na justiça devido as leis conflitantes descritas acima. E pelo pouco tempo de vigência do Código Civil atual, ainda não há sequer alguma jurisprudência nesse tipo de caso.

Desde as alterações não divulgadas nos projetos originais divulgados no site oficial do clube na seção “transparência”, até o dia da votação, onde pelo que se consta, tudo foi feita de maneira abrupta, sem tempo hábil nem condições ideais para todos os conselheiros analisarem todos os pontos dos projetos e alterações propostas (isso se foram realmente apresentadas, já que alguns conselheiros afirmam que não sabiam disso), e assim poderem votar. Desde a sugestão de última hora, de uma terceira opção, com votação dos sócios entre dois nomes definidos pelo CD, passando pela decisão de voto aberto ou não, culminando na esmagadora maioria escolher o modelo de eleições diretas, e sem que houvesse debate sobre outros pontos começarem a se retirar da reunião, tudo foi feito de forma errada.

O que remete ao que acontece há anos no Corinthians. As votações do Conselho Deliberativo durante a Era Dualib não eram menos obscuras. É preciso um cuidado maior com essa questão, de todas as partes. A reforma estatutária é um dos pontos fundamentais para que o clube se reerga, mas tudo deve ser feita da forma mais transparente e correta possível. Do jeito que está se encaminhando, o Sport Club Corinthians Paulista segue correndo riscos…

***

Questões pertinentes

Algumas pessoas poderiam questionar: Divulgaram um estatuto e na hora de votar, era outro? E nesse segundo, está que o CORI pode destituir/escolher a diretoria sem a votação dos sócios? Então as “diretas” foram uma farsa? Não existe “diretas”?

Resposta: Havia um modelo de estatuto que previa eleições diretas, e outro que previa eleições indiretas. Esse foi o ponto principal, que diferenciava um modelo do outro.

O CORI só fez mudanças em outros artigos, como o 87, com a alínea K.
Nos projetos iniciais, não havia esse texto que dá o poder ao Conselho mudar o estatuto quando julgar necessário no futuro, sem precisar da concordância dos sócios quanto a isso.

Quando esse novo estatuto for registrado (e não houver problemas), o clube passará a ter eleições diretas para presidente.

Porém, o Conselho Deliberativo se entender, por exemplo, que o estatuto deve ser mudado por algum motivo no futuro e precisar ter novamente eleições indiretas, ele tem essa competência.

3 Respostas para “ESTATUTO: Sobre a reforma e o seu processo

  1. É difícil entender como isso funciona.

    Todos os que votaram, obviamente sabiam o que estavam aprovando, certo?

    Na verdade me parece uma prerrogativa que pode nunca ser usada, mas não custa lembrar que foi esse tipo de brecha (claro que outras) que o tio Dualib usou para se manter lá por 14 anos.

  2. A CF , No Artigo 5° , Inciso LXXVIII, Paragrafo 2° , regula : § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

    A Constituição não exclui os Códigos , um exemplo que deixa bem claro é que o Artigo 5° da Constituição diz que “todos são iguais perante a lei” e mesmo assim , o Código Penal da condições especiais aos Doentes Mentais (com a medida de segurança no lugar de detenção e reclusão) e aos incapazes (com a medida sócio-educativa).

    Espero que este estatuto não seja “aprovado” pelo cartório responsável .

  3. Victor Farinelli

    Pelo que eu entendi, e corrijam-me se eu estiver enganado, a prática dessa papagaiada toda seria a seguinte: as diretas foram aprovadas, só que se o CORI achar que isso está indo em contra dos seus interesses, pode decidir voltar às eleições indiretas.

    Também falando da prática da vida política brasileira em geral, toda brecha tende a favorecer sorrateiramente os que a criaram (o comentário do Andi, anterior ao meu, bem lembrou o exemplo do esquecível último presidente).

    Por essas e outras, tenho repetido aqui nesse espaço que já passou da hora de o Andrés Sanchez começar a prestar contas de verdade sobre o que prometeu, principalmente por dizer que sua gestão marcaria uma mudança na maneira de gerir o clube. Do que podemos ver até agora, mais parece que apenas entrou um coronézinho mais jovem.

    Para não cairmos na trampa da minha imparcial antipatia por ele, apesar de que que eu não sou o único que o detesta, seria bom que ele mesmo começasse a dar explicações sobre todos esses temas. Até porque, certamente, não somente os que o detestam desejam ouvir explicações suas.

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